No
Brasil, durante bem mais de meio século, o município foi considerado
o território onde se frustravam ou se pervertiam os projetos
democráticos; o espaço da dura realidade do poder oligárquico, do
patrimonialismo e das relações de clientela, enraizados na
desigualdade da propriedade e das oportunidades econômicas.
Pensadores políticos influentes deram forma a esse consenso sobre a
natureza da política local. Escrevendo entre os anos 20 e o final dos
40, Oliveira Vianna viu no município mera projeção do poder privado
do grande domínio rural e cenário das instituições políticas que
cresceram à sua sombra: "o partido do coronel", braço municipal do
"partido do governador"; o "juiz nosso", o "delegado nosso"; o
"eleitor de cabresto"; o "afilhado"; o "governista incondicional"
(Vianna, 1974, p.173). Vitor Nunes Leal (1947) mostrou como, sob o
sistema representativo da Constituição de 1946, a combinação entre
restrita autonomia municipal de jure face aos governos estaduais
e federal, de um lado, e subordinação de fato do eleitorado rural
aos proprietários de terras, de outro, prolongava a vida do poder
privado em decadência e transformava o município em sua reserva de
domínio. Muitos outros autores contribuíram para completar o retrato
do município como antítese da polis.
Essa
maneira de encarar o âmbito local da política mudou radicalmente
durante a longa transição do autoritarismo para a democracia, a
partir da segunda metade da década de 70. A valorização da política
local foi um leit motiv importante do processo de
democratização do Brasil nos anos 80. O discurso e as propostas das
oposições democráticas ao regime autoritário eram fortemente
descentralizadores, situando o município no centro de um sistema
democrático renovado, que tornaria possível a participação ampliada e
o controle dos cidadãos sobre os atos dos governantes (MDB, 1978,
p.100-107).
Na
Assembléia Nacional Constituinte, a valorização do município como
alicerce da democracia, consensual entre os partidos e movimentos
políticos que nasceram do MDB e dos grupos de oposição à ordem
autoritária, tomou forma em um conjunto de propostas
descentralizadoras.
Elas provocaram uma redefinição em regra da estrutura do Estado
brasileiro: o federalismo centralizado até então predominante deu
lugar a um modelo federativo descentralizado e em boa medida cooperativo.
O município foi transformado em ente federativo,
caso único nos sistemas federais contemporâneos. Ganhou autonomia
plena nos âmbitos político, administrativo, legislativo e financeiro.
Ademais, o município foi o principal beneficiário da
descentralização de recursos, que se avolumaram com a ampliação das
transferências constitucionais.
Blog Opinião Pùblica
Nenhum comentário:
Postar um comentário