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sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

O MUNICÍPIO NO DISCURSO E NA LEI


No Brasil, durante bem mais de meio século, o município foi considerado o território onde se frustravam ou se pervertiam os projetos democráticos; o espaço da dura realidade do poder oligárquico, do patrimonialismo e das relações de clientela, enraizados na desigualdade da propriedade e das oportunidades econômicas. Pensadores políticos influentes deram forma a esse consenso sobre a natureza da política local. Escrevendo entre os anos 20 e o final dos 40, Oliveira Vianna viu no município mera projeção do poder privado do grande domínio rural e cenário das instituições políticas que cresceram à sua sombra: "o partido do coronel", braço municipal do "partido do governador"; o "juiz nosso", o "delegado nosso"; o "eleitor de cabresto"; o "afilhado"; o "governista incondicional" (Vianna, 1974, p.173). Vitor Nunes Leal (1947) mostrou como, sob o sistema representativo da Constituição de 1946, a combinação entre restrita autonomia municipal de jure face aos governos estaduais e federal, de um lado, e subordinação de fato do eleitorado rural aos proprietários de terras, de outro, prolongava a vida do poder privado em decadência e transformava o município em sua reserva de domínio. Muitos outros autores contribuíram para completar o retrato do município como antítese da polis.
Essa maneira de encarar o âmbito local da política mudou radicalmente durante a longa transição do autoritarismo para a democracia, a partir da segunda metade da década de 70. A valorização da política local foi um leit motiv importante do processo de democratização do Brasil nos anos 80. O discurso e as propostas das oposições democráticas ao regime autoritário eram fortemente descentralizadores, situando o município no centro de um sistema democrático renovado, que tornaria possível a participação ampliada e o controle dos cidadãos sobre os atos dos governantes (MDB, 1978, p.100-107).
Na Assembléia Nacional Constituinte, a valorização do município como alicerce da democracia, consensual entre os partidos e movimentos políticos que nasceram do MDB e dos grupos de oposição à ordem autoritária, tomou forma em um conjunto de propostas descentralizadoras. Elas provocaram uma redefinição em regra da estrutura do Estado brasileiro: o federalismo centralizado até então predominante deu lugar a um modelo federativo descentralizado e em boa medida cooperativo.
O município foi transformado em ente federativo, caso único nos sistemas federais contemporâneos. Ganhou autonomia plena nos âmbitos político, administrativo, legislativo e financeiro. Ademais, o município foi o principal beneficiário da descentralização de recursos, que se avolumaram com a ampliação das transferências constitucionais. 

Blog Opinião Pùblica

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